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As paredes eram beges. Daquele bege cor-de-calcinha. Haviam diversas portas, sem indicação nenhuma, sem saber para onde levavam. Ele decidiu que aquele não era o andar certo, e subiu as escadas para o andar superior. Ali haviam menos portas. E uma se abriu:
- Olá, André! - cumprimentou o estranho.
- Que lugar é esse? André é o meu nome? Quem é você?
- Hahaha, essa foi demais! Acordou bem-humorado, hein? Deixa de brincadeira e vá falar com o chefe, ele está esperando. Ficou puto da cara porque você não veio para a reunião. A comissão de planejamento estabeleceu metas até pra faxineira... Esse mês vai dar o que falar! Nos falamos!
- Espere, você precisa me ajudar! Como eu saio daqui?!
Era tarde, ele havia sumido atrás de uma porta branca como todas as outras.
Sem saber o que fazer, André ("Será esse mesmo meu nome?") fechou os olhos por um momento.


Antes mesmo de abrir os olhos, ele sentiu um enjôo, como se o chão não estivesse firme sob seus pés e percebeu uma brisa fresca que balançava seus cabelos curtos. Abriu os olhos e se viu no convés de um navio, vestindo um terno italiano preto, calças sociais que caíam muito bem nele e sapatos Gucci.
"E agora José?!", pensou. Um garçom vinha passando e perguntou de maneira muito educada e polida se ele desejava algo.
Ele olhou ao redor, e só via água e mais água, nenhum sinal de terra firme.
- Sim, eu quero ir embora daqui!
- Sinto muito, Dr. Hurp, mas não creio que isso seja possível, a próxima parada está programada para daqui a 22 dias, em Bombaim.
- Hurp? Meu nome é André Hurp?
- Desculpe, mas o barman-chefe só informou que todos deviam tratar o Dr. Hurp com muita gentileza, afinal, é o senhor que está bancando essa viagem transoceânica...
- O quê? Está dizendo que fui eu que paguei pra esse barco viajar??
- Se o doutor está se referindo a esse cruzeiro de luxo, sim, foi o que nos foi di...
- Ahh, eu não aguento mais! Que porcaria é essa! Alguém pode me explicar o que está acontecendo??
- Doutor, tenho que pedir que se acalme, poderá assustar outros passageiros a bordo gritando dessa maneira. Eu tenho certeza de que o comandante poderá responder qualquer pergunta...
- Me leve de uma vez até ele!
A caminho da cabine de comandante, os dois foram jogados ao chão com uma pancada.
Algo havia se chocado contra o navio.


Uma multidão gritava, berrava, comemorando algo. Levantou a cabeça para olhar, e todos olhavam em sua direção. Estava numa arquibancada, cercado por mais de 50 mil pessoas, em pé e segurava uma bola de couro branca, um pouco maior que o tamanho do seu punho fechado. Usava um calção jeans, tênis esportivo, um boné azul-escuro e uma camiseta branca com a inscrição "YANKEES". Um garotinho a seu lado, segurando um dedo de espuma, sorria, feliz como só uma criança de cinco anos pode sorrir.
- We are champions, dad!!! (Nós somos campeões, papai!!!) - percebeu que as conversas e gritos ao seu redor eram em inglês, e ele compreendia perfeitamente tudo que era dito.
Aturdido com tudo aquilo, olhou para o campo, a tempo de ver o jogador número 13 correndo da terceira para a última base, concretizando aquilo que (seu filho?) o garoto lhe falara. O telão mostrava a sua imagem ao vivo, olhando atônito para tudo que o rodeava.
A voz do narrador se ouvia pelos alto-falantes espalhados nas arquibancadas:
- A wonderful shoot of Jim Leyrits, that knock-out Atlanta Braves and makes the Yankees the new champion!!! (Uma tacada maravilhosa de Jim Leyrits, que derruba os Atlanta Braves e torna os Yankees o novo campeão!!!)
Um jovem da fileira da frente da arquibancada olhava pra ele com admiração, e disse:
- If it were a little lower, I would have caught the ball! (Se viesse um pouco mais baixo, eu teria pego a bola!)
Seguranças se aproximaram dele e falaram:
- Come on Mr., let's go to interview. (Venha senhor, vamos para a entrevista.)
Ele finalmente falou:
- I wanna go out of here! (Eu quero ir embora daqui!), e percebeu que estava falando em inglês.
- Mr., you just need to give the interview, you got the ball of game. Are the rules, was at your ticket. (Senhor, você só precisa dar a entrevista, você pegou a bola do jogo. São as regras, estava no seu ingresso.)
- I don't care! Soon i'll disappear and reappear elsewhere. What's going on with me?! (Eu não me importo! Logo irei desaparecer e reaparecer em outro lugar. O que está acontecendo comigo?!)
- We understand that is hot, Mr. is delirious. Come on... (Nós entendemos que está quente, o senhor está delirando. Vamos...)
Passou a mão pela parte de trás do calção, e notou que havia uma carteira no bolso. Pegou-a, estava disposto a descobrir quem era daquela vez, qual seu nome completo, endereço... Seriam pistas pra tentar descobrir o que estava havendo consigo.
Abriu a parte dos documentos, e estava vazia. Tinha mais de US$ 300 na carteira, mas nenhum documento. Se virou para (seu filho, Deus queira que fosse seu filho) o garoto, mas não havia mais nenhum garoto ali. Preocupado, perguntou às pessoas ao redor:
- Somebody have seen the boy that was on my side? (Alguém viu o garoto que estava do meu lado?)
Um homem de trás dele disse:
- There is no boy here. Since the beggining of the game, you're alone and the place beside you, empty. (Não há nenhum garoto aí. Desde o início do jogo, o senhor está sozinho e o lugar ao seu lado, vazio.)
Aturdido, confuso, sem saber em quê acreditar, muitas ideias passavam por sua cabeça, perguntou:
- What day is it? (Que dia é hoje?)
- Wednesday, 10/27/1999, day of the final of championship (Quarta-feira, 27 de outubro de 1999, o dia da final do campeonato) - respondeu o guarda. Look, you're weird... (Olhe, o senhor está confuso...)
- All this is weird! All this is crazy!!! (Tudo isso é confuso! Tudo isso é maluco!!!)
E saiu correndo, numa desabalada carreira empurrando outras pessoas e vendedores de hot-dogs (É cachorros-quentes! Merda!) e refrigerantes até o ponto mais baixo, pronto para pular de cabeça os 6 metros que o separavam da arquibancada inferior.
Passou uma perna sobre o baixo muro de proteção, ouvindo gritos atrás de si.
Pulou, no momento exato em que o agarravam.
Não caiu como esperava, apenas bateu a cabeça contra o muro, sem sentir nenhuma dor, e apagou.

Uma voz feminina gritava:
- Jorge! Levanta já daí!
Abriu os olhos e olhou ao redor, esperando ouvir os brados da torcida, os guardas lhe segurando, mas não estava mais no estádio de beisebol e aquele ambiente parecia vagamente familiar: os quadros na parede da sala, o sofá bordô desbotado, o tapete macio onde estava caído. Sentia uma dor-de-cabeça dos infernos e um gosto de cabo de guarda-chuva na boca. Tentou ver quem falava com ele, mas caiu novamente.
- Não acredito nisso! É a segunda vez esse mês!
(... Verônica era o nome dela, estava começando a lembrar)
- Só porque tu não ganhou aquela promoção, enche a cara, volta pra casa caindo de bêbado, e dorme sentado no controle remoto! Vai logo tomar um banho antes de vomitar no tapete de lã de ovelha!!
E lembrou de tudo.
Vergonha.