Piratas, Ninjas e Samurais


- Okinawa foi avistada! - foi o grito que se ouviu do marujo que estava na gávea do navio, observando o mar.
"Hora de colocar o plano em ação", pensou consigo o chinês Zhilong, conhecido como Capitão Gaspar entre os piratas. "Precisamos entrar em contato com o clã Kobayashi para que tudo seja providenciado o mais rápido possível."
Zhilong, chinês batizado com o nome de Nicolau Gaspar, agora era temido por muitos e reconhecido como um pirata sem escrúpulos e sem medo de nada.
Passou anos navegando em silêncio, cumprindo bem as ordens recebidas e planejando sua vingança. Haviam sido os piratas que mataram seu pai, sua mãe e sua irmã Weng, quando ele ainda tinha 17 anos. Desde então, tinha mudado de cidade, foi para o meio dos piratas portugueses em Macau e decidiu que iria vingar a sua família. Conseguiu entrar para o grupo do mesmo pirata que invadira a sua cidade e destruíra muitas famílias, incluindo a sua. Se tornou amigo dos outros piratas, aprendeu bem o ofício de navegador, e não havia quem soubesse se localizar melhor do que ele em alto mar. Admirado e respeitado por todos, era visto como um homem determinado, que sem saber nada tornara-se o melhor navegador daquela época.
Certa noite, após um grande saque realizado, todos estavam festejando e bebendo rum. Ele manteve-se sóbrio e esperou que todos adormecessem. Aproximou-se furtivamente da cabine do capitão, que estava guardada por dois guardas completamente bêbados. Sabia da devoção dos guardas do capitão, e sem hesitar, matou os dois silenciosamente, com uma facada na garganta. Entrou e encontrou o capitão dormindo em cima do ouro, produto do roubo recente, e cercado por garrafas vazias.
Ele acordou o capitão com cuidado, sem alarde para que não chamasse a atenção de outros piratas.
- O que faz aqui, Nicolau? Não te dei permissão pra entrar na minha cabine!
- Capitão, olhe bem nos meus olhos. Não lhe pareço familiar? Não recordas mais a invasão à vila de Yaoguwan, há 16 anos atrás?
Ele viu o reconhecimento aflorar nos olhos do capitão.
- Agora eu vingo minha família! - e decapitou sua cabeça instantaneamente.
Pegou a pistola, a espada e a cabeça do ex-capitão. Saiu, dirigiu-se à proa do navio e disparou para o alto. Todos acordaram assustados.
- ASSIM EU TRATO MEUS INIMIGOS! Esse homem matou meu pai, minha mãe e minha irmã. Agora, eu sou o novo capitão desse navio! - bradou em altas vozes.
E desde então, conquistara a fama de cruel e destemido, adquirira mais um navio para sua frota e garantia a lealdade de seus marujos distribuindo bem o ouro dos saques.
Muitos piratas estavam agindo naquela época, e vários países estavam tomando atitudes fortes contra piratas, como por exemplo, disfarçar navios de combate em mercantis, para que, assim que abordado por piratas, estes fossem capturados ou mortos.
Gaspar teve a ideia de navegar em sentido contrário. Ao invés de atacar os navios portugueses, espanhóis ou franceses que vinham para as Índias, decidiu ir em direção ao Japão, e planejou um roubo em que contaria com a ajuda de ninjas.



Aproximaram-se de Okinawa durante a noite, para facilitar o contato com o grupo ninja Kobayashi. Assim que a mensagem foi elaborada e entregue ao mensageiro ninja, este despachou o recado em código até Kyoto, para que começassem com o plano.
Zhilong pagaria muito bem em ouro, para que durante uma semana, integrantes do grupo Kobayashi infiltrados em serviços de transporte desviassem carregamentos de valores e roubassem o quanto fosse possível, e levassem para Hamamatsu, na província de Shizuoka. Então, ao final de uma semana eles se aproximariam e carregariam tudo nos dois navios.
Em Okinawa eles atracaram num velho estaleiro abandonado, e passaram a semana fazendo preparativos para o dia do carregamento. A cada dia, alguns marujos se disfarçavam de camponeses, e iam à cidade comprar munição, roupas novas e comida. E no dia seguinte, outros marinheiros repetiam a tarefa, para não despertar suspeitas.
Enfim chegou o dia esperado. Eles rumaram na direção de Shizuoka, onde deveriam chegar ao anoitecer. Naquele momento, o Capitão Gaspar revelou seu verdadeiro plano aos companheiros de pilhagem: iriam carregar os produtos do roubo nos navios, porém, não pagariam nada aos ninjas, ficando com tudo para si e fugindo em seguida. O clima entre os piratas era de tensão. Nunca haviam roubado algo em conjunto, nem tão vultuoso. Dessa maneira, se aproximaram de Hamamatsu.
Avistaram ao longe um ninja fazendo sinais luminosos, marcando o local onde estava a mercadoria. Era um grande galpão, pertencente a um influente político subornado pelos ninjas; ficava no final do porto, e possuía um pequeno escritório num canto. Aportaram e, seguindo as instruções, marujos se preparavam para iniciar o carregamento, enquanto o Capitão Gaspar foi "levar o pagamento" para Megui Kobayashi, o líder do grupo ninja, que o aguardava no escritório.
Entretanto, o que eles não desconfiavam - exceto talvez o próprio Capitão, que sabia de histórias de traição entre ninjas - era que estes também pretendiam enganar os piratas, pegando para si o ouro prometido pelo roubo e tudo que havia sido roubado. Queriam atacar os piratas assim que o pagamento fosse feito, e forçá-los a fugir. Poderiam então, atribuir a culpa do roubo aos piratas, e deixar as autoridades pensarem que o dinheiro estivesse perdido.
Com o Capitão fora de vista, os ninjas iniciaram o ataque: shurikens eram lançados, atingindo os piratas por todos os lados, enquanto ninjas apareciam das sombras do galpão, atacando com suas Ninja-to, katanas adaptadas ao estilo ninja de luta. No escritório, Megui Kobayashi estava sozinho com Zhilong, que ao ouvir gritos vindos do galpão que acabara de deixar, não hesitou duas vezes em puxar a arma e disparar contra Megui, matando-o na hora.
Assim que o efeito surpresa acabou, os ninjas começaram a perder vantagem no combate, pois não eram bons em lutas de grande duração. Sempre foram treinados para matar silenciosamente, na calada da noite, aproveitando as sombras como aliadas. E não era o que acontecia. Haviam derrubado vários piratas, mas o Capitão Gaspar havia retornado, organizando a luta para o lado dos lobos do mar, marujos que haviam permanecido no navio começaram a atirar com seus canhões já carregados e a cada instante surgiam mais piratas armados com pistolas, vindos do segundo navio.
Percebendo que a situação lhes era desfavorável, um mensageiro foi mandado para buscar ajuda, e os ninjas recuaram e deixaram os piratas pensarem que haviam vencido.
Vendo os ninjas fugirem, começaram a comemorar! Brados de alegria eram ouvidos ecoando no galpão e o Capitão tratou de esfriar os ânimos e ordenou que iniciassem o carregamento o mais rápido possível. Quando o primeiro navio estava lotado, foi trocado de lugar com o segundo, e permaneceu pronto para a fuga, enquanto começaram a carregar o segundo barco.
O dia já clareava, e foi nesse momento que os ninjas reapareceram, junto com os samurais Setsui.

Conhecidos por todo Japão como os mais habilidosos no manejo da espada, aqueles que possuíam as mais fortes armaduras, capazes de suportar até mesmo disparos de armas de fogo, os samurais liderados por Mihase Setsui não passavam de um bando de japoneses com roupas estranhas e espadas compridas para os piratas.
E foi isso que quase os levou à ruína.
Alguns piratas tentaram a sorte na batalha corpo-a-corpo, mas no momento em que se punham ao alcance das katanas dos samurais, eram mortos. E os samurais - não mais de 30 - avançavam lentamente em direção ao navio, ao mesmo tempo que o Capitão Gaspar berrava, ordenando a retirada.
Quando viu que as pistolas não faziam efeito naquelas proteções, e sabendo estarem praticamente sem munição para os canhões (que sempre são necessários no mar), Zhilong ordenou que largassem tudo e fugissem, afinal o Sir Peter estava cheio de ouro.
"Levantar âncoras! Içar velas! Soltar as amarras! Virar tudo a bombordo!" O pânico se instaurou entre os piratas. Com os dois navios prontos para a fuga, os últimos piratas em terra, que tentavam conter o avanço dos ninjas e samurais, desistiram e subiram logo a bordo, no que foram seguidos por samurais e ninjas.
Então, os piratas foram traídos pela própria ganância. O Oliver, por estar mais leve - não tiveram tempo de carregá-lo tanto quanto o Sir Peter - estava se afastando, deixando a maioria dos piratas no mesmo barco com os samurais, que não encontravam nenhuma dificuldade em cortar cordas, panos e madeira, provocando uma verdadeira destruição.
Gaspar gritou para que fossem jogadas cordas, e assim, alguns piratas conseguiram trocar de barco na última hora, deixando quase todo ouro pra trás. Vendo os samurais e ninjas com o ouro que ele considerava seu, e tendo abandonado um navio da frota, Capitão Gaspar decidiu que se não pudesse tê-lo, ninguém o teria.
Ordenou que as velas fossem abaixadas e todos se dirigissem para os canhões. Iria afundar seu ex-navio. E foi o que fez, pegando os samurais de surpresa com tiros de canhão. Estes, sem ter como revidar os ataques, nada puderam fazer a não ser pular na água para tentar se salvar - o que provou não ser uma boa estratégia, considerando a dificuldade em se manter à tona com as pesadas armaduras que usavam, e foram salvos pelos ninjas, que dessa forma saldavam a sua dívida para com os samurais.
Muitos ninjas mortos pelos piratas.
Muitos piratas mortos pelos ninjas e samurais.
Alguns samurais mortos por tiros de canhão e outros por afogamento.
Ninjas e samurais mostraram a força do povo japonês.
Nicolau Gaspar e seus marujos mostraram a ferocidade dos piratas, mesmo perdendo muitos homens e um navio.
E o ouro foi pro fundo do mar.